A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica
que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem tomada da
tarefa de compreender a condição humana – e, nela, especialmente as artes –,
quanto um lugar comum de nossa experiência. Basta pensar um pouco e a diferença
das palavras, uma diferença de significantes, pode revelar uma diferença em
nossos gestos, ações e comportamentos. Nossa cultura visual é vasta e rica,
entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas vezes não
entendemos e, por isso, podemos dizer que vemos e não vemos, olhamos e não
olhamos. O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a arte – torna- se cada
vez mais fundamental no mundo das artes e estas o território por excelência de
seu exercício. Mas se as artes nos ensinam a ver – olhar é porque nos
possibilitam camuflagens e ocultamentos. Só podemos ver quando aprendemos que
algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto, para ver olhar, é preciso pensar.
Ver está implicado ao sentido físico da visão. Costumamos,
todavia, usar a expressão olhar para afirmar outra complexidade do ver. Quando
chamo alguém para olhar algo espero dele uma atenção estética, demorada e
contemplativa, enquanto ao esperar que alguém veja algo, a expectativa se
dirige à visualização, ainda que curiosa, sem que se espere dele o aspecto
contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico.
Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade do ver torna-o um evento
objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma. Vemos televisão,
enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura.
A lentidão é do olhar, a rapidez é própria ao ver. O olhar é
feito de mediações próprias à temporalidade. Ele sempre se dá no tempo, mesmo
que nos remeta a um além do tempo. Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma
temporalidade, tal o modo instantâneo com que o realizamos. Ver não nos faz
pensar, ver nos choca ou nem sequer nos atinge. As mediações do olhar, por sua
vez, colocam-no no registro do corpo: no olhar – ao olhar - vejo algo, mas já
vitimado por tudo o que atrapalha minha atenção retirando-a da espécie
sintética do ver e registrando- a num gesto analítico que me faz passear por
entre estilhaços e fragmentos a compor – em algum momento – um todo. O olhar
mostra que não é fácil ver e que é preciso ver, ainda que pareça impossível,
pois no olhar o objeto visto aparece em seus estilhaços de ser e só com muito
custo é que se recupera para ele a síntese que nos possibilita reconstruir o
objeto. É como se depois de ver fosse necessário olhar, para então, novamente
ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento - podemos dizer - um ritmo em um
processo de olhar-ver. Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do
mesmo gesto que envolve sensibilidade e atenção.
O olhar diz-nos que não temos o objeto e, todavia, nos dispõe no
esforço de reconstituí-lo. O olhar nos faz perder o objeto que visto parecia
capturado. Para que reconstituí-lo? Para realmente captura-lo. Mas essa captura
que se dá no olhar é dialética: perder e reencontrar são os momentos tensos no
jogo da visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para buscar reconstruir o
objeto do olhar: para não perder além do objeto, eu mesmo, que nasço, como
sujeito, do objeto que contemplo – construo enquanto contemplo. Olhar é também
uma questão de sobrevivência. Ver, por sua vez, nos liberta de saber e pode nos
libertar de ser. Se o olhar precisa do pensamento e ver abdica dele, podemos
dizer que o sujeito que olha existe, enquanto que o sujeito que vê, não
necessariamente existe. Penso, logo existo: olho, logo existo. Eis uma
formulação para nosso problema.
O olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito,
ligado à contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o
ato do pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto
primeiro da atenção às coisas até a visão das idéias tal como se vê na
filosofia platônica. Paul Valéry disse que uma obra de arte deveria nos ensinar
que não vimos àquilo que vemos. Que ver é não ver. Dirá Lacan: ver é perder.
Perder algo do objeto, algo do que contemplamos, por que jamais podemos
contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o vemos. Neste
processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à
experiência do olhar no momento em que o objeto nos impede de ver. Uma obra de
arte não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então, olhamos para ela e vemos.
Texto de Márcia Tiburi: Graduada em Filosofia e Artes e
Mestre e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Essa mensagem nos faz um convite e nos alerta também...
Será que estamos vendo de forma clara?
Conseguimos captar o real sentido daquilo que vemos?
Ou apenas olhamos...?
Esse "olhar" de forma mais abrangente, mais demorado...
Treinamos para olhar e ver?
Ou estamos limitados ao circulo "vicioso" de "ver sem enxergar"...
Sem sentir, sem termos noção da beleza de cada detalhe...
Olhe!
Observe!
Aplauda cada dia, o Sol, a Chuva,
o Céu, o Mar, as Estrelas...
A Natureza em festa...
Brindemos a vida...
Agradeçamos ao Criador!
Com esse novo olhar!
Feliz vida!
Um abraço, muito carinho...
Nice.